Gaspar Alto: o pequeno começo que se tornou a maior comunidade adventista da América do Sul
- Luis Marcelo

- 13 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de set.
Fundada em 15 de junho de 1895, a Primeira Igreja Adventista do Brasil nasceu entre famílias de imigrantes alemães em Gaspar (SC) e hoje representa um movimento com mais de 1,7 milhão de membros em todo o país.

Gaspar (SC) – No alto de uma colina fria e úmida do interior catarinense, onde as manhãs eram marcadas por neblina e geada, um pequeno grupo de imigrantes alemães construiu suas casas de madeira e lavrava a terra em busca de sobrevivência e dignidade. Foi nesse cenário que, em 15 de junho de 1895, 23 pioneiros organizaram oficialmente a primeira Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil, no distrito de Gaspar Alto.
A mensagem adventista havia chegado alguns anos antes, na década de 1880, trazida pela colportagem – missionários que percorriam longas distâncias vendendo e distribuindo literatura vinda da Europa e dos Estados Unidos. Esses impressos, escritos em alemão, circulavam em cidades como Brusque e Blumenau, alcançando famílias que buscavam uma espiritualidade autêntica e fundamentada na Bíblia. Curiosamente, a história local preserva o relato de que, em certa ocasião, até um homem embriagado teria ajudado a distribuir alguns desses folhetos, sem compreender a dimensão daquilo que carregava, mas contribuindo para que a mensagem chegasse às mãos de colonos sedentos de fé.
A leitura transformou não apenas a fé, mas também os hábitos de vida dessas famílias. Muitos passaram a adotar novos costumes alimentares, abandonando a carne suína – tão comum na culinária germânica – e valorizando práticas de saúde inspiradas nos conselhos bíblicos e nos escritos adventistas. Em meio ao isolamento geográfico, às estradas de barro e às dificuldades materiais, os colonos de Gaspar Alto encontraram nessa mensagem não só uma nova fé, mas também um projeto de vida.

A primeira organização
No dia 15 de junho de 1895, depois de anos de encontros em casas simples de colonos, as famílias se reuniram em Gaspar Alto para formalizar a igreja. O pastor Frank Henry Westphal, primeiro adventista ordenado para atuar na América do Sul, viajou até a comunidade para conduzir a organização oficial.

Foram reconhecidos 23 membros fundadores, em sua maioria agricultores descendentes de imigrantes alemães, que se comprometeram a manter a fé adventista viva em suas famílias e na comunidade. Esses pioneiros traziam a seriedade do trabalho rural, a disciplina germânica e a convicção de que haviam encontrado, na mensagem adventista, a verdade bíblica que buscavam.

O pastor
O pastor Frank Henry Westphal, nascido em 15 de dezembro de 1858 em New London, Wisconsin (EUA), filho de imigrantes alemães. Primeiro ministro adventista ordenado a atuar na América do Sul, Westphal chegou ao continente em 1894 acompanhado da esposa Mary e dos filhos, enfrentando longas viagens marítimas e ferroviárias até alcançar as comunidades de imigrantes germânicos no sul do Brasil.

Em fevereiro de 1895 desembarcou no Rio de Janeiro, seguiu para São Paulo, onde realizou o batismo de Guilherme Stein Jr., e logo depois alcançou Santa Catarina, encontrando famílias que já estudavam literatura adventista em alemão. Enfrentando barreiras linguísticas, estradas precárias e resistência cultural, Westphal perseverou, organizando oficialmente a igreja de Gaspar Alto em 15 de junho de 1895 e lançando as bases de um movimento que se expandiria por todo o país.
As famílias pioneiras
As famílias pioneiras incluíam, de forma documentada, os Belz e os Stein, além de outros novos membros como Albert Bachmeyer. Guilherme Belz (Wilhelm), imigrante pomerano radicado na então colônia alemã de Braunschweig (hoje Gaspar Alto), está entre os primeiros guardadores do sábado; sua família — Johanna e os filhos Emília, Reinhold, Francisco, Guilherme, Elfriede e Augusta — figura entre os primeiros núcleos que passaram a se reunir em casas simples para leitura bíblica e cânticos em alemão, à luz de lamparinas. Pouco depois, Guilherme Stein Jr. — batizado em abril de 1895 no rio Piracicaba — tornou-se um elo entre os grupos de estudo e a organização eclesiástica, inclusive retornando a Santa Catarina para liderar a primeira escola (1897).
Em junho de 1895, Westphal batizou um segundo grupo em Gaspar Alto, incluindo a família Belz e Albert Bachmeyer, consolidando a comunidade local. Esses lares — agricultores e artesãos de origem germânica — formaram a base de lideranças que, nas décadas seguintes, serviriam como colportores, professores e obreiros em novas frentes pelo país.
O primeiro templo

O primeiro templo adventista em Gaspar Alto, embora singelo, já era um símbolo de persistência e fé. Construído de madeira pelas próprias famílias pioneiras — entre elas os Belz, Stein e Bachmeyer — o edifício ficava próximo à estrada de acesso entre Gaspar Alto e Brusque, em área de serra com altitudes que traziam frio intenso nas manhãs e ventos úmidos, o que exigia cuidados extras na construção: tábuas grossas, lajes simples e telhado reforçado. O lugar não tinha ornamentos luxuosos; bancos de madeira feitos pelos homens da comunidade, janelas pequenas para conter o frio, luzes a lamparina. Mesmo sob condições climáticas adversas, com estradas de barro que ficavam quase intransitáveis nas épocas de chuva, o templo servia de refúgio espiritual para os pioneiros.

Em 15 de outubro de 1897, já ao lado deste templo de modestos recursos, surgiu a primeira escola missionária adventista organizada formalmente em Gaspar Alto, sob a direção de Guilherme Stein Júnior. A escola começou com apenas uma sala de aula, lecionando em língua alemã para crianças da comunidade pioneira, muitos dos quais ajudavam no cultivo da terra e tinham rotinas de amanhecer cedo, ceia simples e tarefas domésticas.

O ensino não se limitava às matérias básicas — leitura, escrita, moral bíblica — mas incluía normas de higiene, hábitos alimentares fundamentados nos princípios adventistas, e projetos práticos como manter hortas ou cuidar de animais domésticos, de forma a integrar fé, conhecimento e vida cotidiana. A estrutura física da escola era modesta: paredes de madeira, pisos de tábuas, mobiliário simples feito pela comunidade. Com essa escola, nascia um novo horizonte para as crianças daquela região isolada: aprender a ler, orar, estudar a Bíblia, e ao mesmo tempo formar cidadãos conscientes de seu papel religioso e social.
Do pequeno começo ao movimento nacional
A fé que parecia restrita a um vilarejo isolado cresceu e se espalhou pelo Brasil. No início do século XX, missionários e colportores percorreram estradas de terra, rios e trilhas levando Bíblias e livros, fundando novas congregações e consolidando uma rede de escolas, hospitais e instituições de imprensa.

Aquele grupo de 23 membros se transformaria, ao longo de 130 anos, em um movimento robusto, com mais de 10 mil igrejas organizadas e cerca de 1,7 milhão de adventistas em todo o país em 2022.
Preservação e legado
Hoje, o templo histórico de Gaspar Alto está preservado e segue ativo, acompanhado de um museu que guarda documentos, objetos e registros da época dos pioneiros. O espaço recebe visitantes de várias partes do Brasil e do mundo, que encontram ali não apenas um patrimônio histórico, mas também um testemunho vivo da fé de imigrantes que, em meio à simplicidade e às dificuldades, plantaram as primeiras sementes do adventismo no Brasil.
Em 2025, a Primeira Igreja Adventista do Brasil celebrou seus 130 anos, reafirmando o simbolismo de Gaspar Alto como berço de um movimento que hoje é referência mundial nas áreas de educação, saúde, assistência social e comunicação.

































































































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